quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Em França estão assim

A julgar pela comunicação social, em Portugal não há problemas com o nível dos alunos admitidos nos politécnicos e nas universidades Vai tudo bem, por conseguinte. Ou não será bem assim, e o tema é tão delicado e complexo que há evidente receio de o abordar, debater e noticiar?
Em França, cujos estudantes não serão decerto mais lerdos que os nossos, a situação actual é a descrita no texto seguinte, da autoria de Camille Stromboni, publicado no Le Monde online de 06/02/2017:

"UNIVERSIDADES: PROFESSORES PREOCUPADOS COM O NÍVEL DOS CANDIDATOS À LICENCIATURA

Numa altura em que as universidades tornam públicos os pré-requisitos doravante exigidos para se matricular em  licenciatura, alguns professores-investigadores alertam

"Acabo de corrigir provas do segundo ano de História e de Letras. Nunca vi nada assim! NUNCA!" Escrita no Twittter, em 12 de Janeiro, esta mensagem exasperada de um docente-investigador da região parisiense, não passou despercebida. "Um inglês apocalíptico e um francês infantil, nível 2 do básico. Gostaria de estar a exagerar. Sinceramente. Mas não. Tantas cobardias, tantas renunciazinhas, para chegarmos a isto," concluía a mensagem.


Pré-requisitos, pré-requisitos... Concordo. Mas talvez fosse melhor começar já com um ditado, não é?

Milhares de cópias, centenas de comentários... Foi quanto bastou para relançar o inflamável debate sobre o nível dos estudantes de licenciatura, numa altura em que os professores corrigem as provas dos primeiros exames parciais do ano, e as universidades publicam os pré-requisitos doravante exigidos para se matricular em licenciatura, no quadro do novo procedimento de admissão na plataforma Parcoursup. O nível geral tem baixado na universidade? Será culpa do ensino básico e do secundário? Reduziram as exigências para se obter o diploma de licenciatura? São perguntas que uma vez formuladas mostram de novo a fractura entre um campo alcunhado de "reaccionário", adepto do "dantes é que era bom", e os presuntivos defensores do "angelismo", que recusariam a abrir os olhos para a realidade.
Nas várias provas de exame, que o Le Monde teve a ocasião de consultar, aparece antes de mais o domínio deficiente da língua francesa. Eis algumas pérolas extraídas de provas de licenciatura de História, de Ciências e técnicas das actividades físicas e desportivas, de Ciências da educação, ou ainda de Administração económica e social, de várias universidades e dos três anos das licenciaturas: "Desde a idade de sete anos, os meninos ajudados os pais, as meninas ajudadas as mães." "Ele digo aos chamados." "Ou é que tu habitava quando a guerra a começar?" "Seria apenas abordar superficialmente o assunto dizer que a segunda guerra mundial foi o último grande conflito militar onde o total de vitima civil foi superior ao dos militares caídos"... Nestas provas, os comentários pouco amenos dos professores acumulam-se nas margens, sem contar as dezenas de erros ortográficos, assinalados em apenas meia dúzia de linhas: "Md", para "mal dito" "fs", para "falso sentido", ou ainda vários "incompreensível" e "incoerente".
Jenny Raflik, mestre de conferências em História contemporânea, na Universidade de Cergy- Pontoise (região parisiense, nota do tradutor), resume nestes termos o sentimento geral dos seus colegas docentes: "É catastrófico porque constitui um obstáculo para todos os exercícios, ao impedir os estudantes de analisar ou argumentar." "Mas acrescento desde já que a solução não me parece que seja a selecção à entrada na universidade", sublinha esta universitária, tal como muitos dos seus colegas.
Prova adicional da incandescência do tema, o Twett irritado do docente-investigador em Civilização do mundo anglófono, bem como as discussões e comentários que provocou, foram suprimidos pelo docente, na sequência de reservas emitidas pela sua hierarquia, preocupada com as consequências nefastas para a imagem daquele estabelecimento de ensino superior. Diga-se em abono da verdade que o debate adquire uma ressonância particular, quando a questão da selecção à entrada na universidade  está na ordem do dia, com a reforma em curso das regras de admissão em licenciatura."

(Ler a continuação no próximo texto.)

Camille Stromboni, Universités: des professeurs s'inquiètent, Le Monde online, 06/02/2018, 13H14
Tradução e adaptação de António Rebelo, UPARISVIII

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