domingo, 14 de janeiro de 2018

Porque definham as cidades?

Vimos no texto anterior que as cidades definham a partir do momento em que, cumprido o seu papel histórico, deixa de haver razões para existirem, segundo o prémio Nobel Krugman. Vimos também que a migração para a faixa costeira pode não ser a explicação para a sangria populacional, havendo até casos em que cidades costeiras também estão a definhar. O exemplo apresentado foi Nice, no sul de França.
Ao contrário dos portugueses, particularmente dos tomarenses, que julgam saber tudo e nunca têm dúvidas, os franceses consideram-se ignorantes e sempre com dúvidas. O que é bom, pois permite encontrar textos explicativos para os problemas que atormentam o espírito. Para o caso da decadência populacional de Nice, recorremos ao nosso colega Le Ficanas (O curioso, em dialecto de Nice), cuja frase-portal já é todo um programa: "Qualquer palavra livre lhes parece crítica e sediciosa." Fénelon.
Nice, capital da Côte d'Azur (Costa Azul) tem mais a ver com Lisboa do que com Tomar, não só por ambas serem cidades costeiras, mas também em termos de população. Nice já teve 550 mil habitantes. Conta agora com menos de 400 mil. Tomar está na casa dos 40 mil. Dez vezes menos.

Resultado de imagem para ver imagens de nice frança

"É CADA VEZ MAIS DIFÍCIL VIVER EM NICE, DEVIDO À INSEGURANÇA, À FALTA DE EMPREGO NO SECTOR PRIVADO E AO PREÇO DO IMOBILIÁRIO"

"Nice vai perdendo população de ano para ano e pouca recupera. No quadro de um trabalho sobre o palmarés das 50 melhores cidades para se viver em França, (que pode carregar clicando aqui, caso seja francófono), o newsmagazine L'EXPRESS efectuou um inquérito no qual Nice aparece numa posição muito difícil e cada vez menos atraente.
O estudo em questão divide as cidades em três categorias: A - As 15 metrópoles com mais de 300 mil habitantes; B - As 14 grandes cidades contando entre 200 e 300 mil habitantes; C - As 21 cidades médias, de 100 mil a 200 mil habitantes. Nice está na categoria A, é uma metrópole regional, que todavia convém não confundir com a metrópole Nice-Côte d'Azur, uma simples entidade política. Em cada uma das categorias foram usados diversos critérios visando obter um quadro classificativo, o tal palmarés.

EMPREGO
Na área da criação de emprego, Nice fica em 12º lugar entre as 15 metrópoles, com uma classificação de 14 valores, numa escala de zero a vinte. Todas as grandes cidades do sul oferecem mais empregos que Nice. O dinamismo económico não é uma das qualidades da capital da Côte d'Azur. Basta reparar que cada vez há mais lojas encerradas em plena cidade.

SEGURANÇA
Último lugar da classificação, em conjunto com Marselha, a nota espantosa de 1,4 valores em 20 possíveis, apesar de a informação local nos despejar todos os dias os investimentos da câmara, os quais têm custos exorbitantes. Câmaras de vídeo, polícia municipal, Brigada de choque, tudo não passa afinal de um monumental malogro, que não incita ninguém a vir viver para Nice, que desce mesmo para 48º lugar entre as 50 cidades estudadas.

FAMÍLIA
Creches, universidades e liceus são os principais critérios de vida de uma família numa cidade. Nesta área Nice fica-se pelos 11,2 valores, o que lhe assegura o 8º lugar entre as 15 metrópoles do estudo.

SAÚDE
É a melhor classificação da cidade, logo atrás de Bordéus e Montpellier, Nice fica em 3º lugar a nível nacional. Mas também é verdade que a população, idosa, beneficia de equipamentos excepcionais, em particular quanto a hospitais do Estado.

IMOBILIÁRIO
Com uma nota de 1 valor em 20 possíveis, Nice fica na penúltima posição a nível nacional. Os preços de compra ou de arrendamento são totalmente inabordáveis para os novos candidatos. De tal forma que até a função pública já tem dificuldades de recrutamento e as ofertas de emprego da Câmara não têm candidatos. É impossível encontrar alojamento a preços realistas.

TRANSPORTES
9,5 valores, que correspondem ao 30º lugar a nível nacional, não é assim muito brilhante. Mesmo insistindo que a cidade está entalada entre as montanhas e o  mar, a verdade é que pouco fazem para facilitar os transportes. Uma única linha de eléctrico, redução dos parques de estacionamento, que são caríssimos e que por isso ninguém utiliza, só o aeroporto permite que Nice não desça ainda mais na classificação.

CULTURA
Nice poderia liderar a classificação, mas fica-se pelos 15 valores. Como rivalizar com Lyon e a sua Festa das Luzes, com Marselha futura capital europeia da cultura, ou com Lille, que realiza actualmente três meses de manifestações artísticas permanentes? Tanto mais que a cidade reduz cada vez mais o seu orçamento para a cultura.

METEOROLOGIA
Área bem original para o bem-estar da população, que coloca Nice em 3º lugar a nível nacional, logo depois de Marselha e Toulon. Cada cidade consola-se como pode...

No conjunto, Nice fica na 12ª posição entre as cinquenta maiores cidades francesas, com 10 valores em 20 possíveis. Se a meteorologia e a saúde lhe permitem essa classificação, o custo do imobiliário e a falta de segurança afundam-na, uma vez que vai perdendo cada vez mais habitantes de ano para ano. As futuras taxas sobre as pensões de reforma podem bem vir a agravar a situação, uma vez que Nice deixou de ser atractiva para os jovens, que não encontram onde trabalhar nem onde morar. A política favorável à terceira idade do presidente Estrosi pode revelar-se insuficiente para o desenvolvimento da cidade.

Christian Gallo,  Le Ficanas, 28/10/2012
Tradução e adaptação de António Rebelo - UPARISVIII

NOTA FINAL
Quem teve paciência para ler integralmente, decerto reparou que a peça traduzida data de Outubro de 2012. De há cinco anos portanto. Dado que os elementos constantes do mapa publicado no trabalho anterior abordam o período 2013/2016, constata-se que a situação acima descrita em Nice, não só não se resolveu como se agravou. Mau prenúncio para Tomar. Porque se nem as grandes cidades (à escala portuguesa) conseguem inverter a marcha para a desgraça...

Sem comentários:

Enviar um comentário