segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Pénis pequeno, grande potencial

Introdução (salvo seja!)

Uma vez que na santa Tomar do santo Portugal, ninguém se atreve a falar (e ainda menos a escrever) sobre certos temas, entre os quais avulta o sexo, apesar de todos os filhos de Deus continuarem a ser o resultado de um acto sexual, pareceu útil traduzir, do prestigiado diário Le Monde, parte da mais recente crónica de Maia Mazaurette. Só parte, porque também convém não exagerar, para evitar eventuais congestões. Já bastam as provocadas pelos adjuvantes modernos, os comprimidos azuis.
Dado que a dita prosa só é acessível a francófonos que sejam assinantes, resta assinalar que a crónica completa está na edição net datada de 7 do corrente.

"Resumamos então a situação: um pénis pequeno não tem nenhuma consequência no que concerne ao objectivo primeiro da relação sexual. Portanto, o problema nem existe... salvo se abrirmos a porta do quarto para lhe dar acesso aos corredores do metro Châtelet às horas de ponta. [Châtelet é uma das estações mais movimentadas do metro de Paris.] É precisamente aí que as chatices começam: a questão do sexo ultrapassa o puro sexual, incrusta-se no privado, e mesmo uma relação secreta, limitada fisicamente a duas pessoas, implica todo um imaginário social, histórico, simbólico, no qual estão incluídos biliões de outros seres humanos. É por isso que seria cruel responder aos nossos pretendentes subdimensionados algo assim como "Cala-te Gerardo! O teu micropénis é perfeito tal como é!"
Um membro pequeno limita mais uma certa ideia do homem do que as suas possibilidades "kamassutrescas". O que equivale a dizer que a realidade fica fora do tema. Não se trata de uma questão de ignorância, ou de comparação com a pornografia, ou mesmo de concorrência estética nos vestiários masculinos. Os dados são actualmente bem conhecidos: o pénis médio situa-se um bocadinho acima de 13 centímetros.
O problema é que, em 2006, um trabalho universitário californiano mostrou que quase metade dos homens que tinham um pénis dentro da norma... queriam um maior. (Só 12% dos homens interrogados achavam que o seu pénis era objectivamente demasiado pequeno).
E assim chegamos ao âmago da questão: Os homens não querem um pénis grande, querem um pénis maior. Os ansiosos não querem estar dentro da norma, mas acima dela, convindo notar que, se tal fosse possível, a norma ir-se-ia também modificando. Por conseguinte, essa angústia não se resolve com nenhuma cirurgia, nenhuma terapia para além da colectiva. Longe de qualquer ideia fatalista, temos a obrigação de nos libertar de medos sem fundamento, que cegam, que são cronófagos...quanto mais não seja para arranjar lugar para os medos concretos, como o receio dos homens que têm o maior botão nuclear.
Ao simbólico devemos opor o pragmático, com um bocadinho de humor. O pénis é um órgão de forma oblonga, consagrado ao prazer e à evacuação de urina. Se um homem lhe acrescenta a estima, o estatuto social, o prestígio, o potencial de intimidação e mesmo o sentido da vida, é o mesmo que solicitar ao antebraço que desempenhe o papel de rótula, ou aos dentes de siso que toquem A Traviata.
Segue-se que, se você amplia os seus receios até os transformar em pânico, em relação ao órgão susceptível de lhe facultar mais prazer, está apenas e só a procurar problemas (além de demonstrar um sólido sentido da contradição). Querer escapar à condição humana, faz parte da condição humana, estamos entendidos. Mas num caso em que essa mesma condição é gratificante, permita-me chamar auto-sabotagem ao que é auto-sabotagem. 
Admitamos o óbvio, antes de mudar de assunto: A inquietação quanto ao pénis pequeno é afinal só um luxo de menino mimado."

Maia Mazaurette, Le Monde online, 07/01/18
Tradução e adaptação António Rebelo, UPARISVIII



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