terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Os tomarenses e os seus notáveis

8 - LOPES GRAÇA/NINI FERREIRA, o monumento improvável


Se, quando tive o prazer de com eles conversar, me tivessem dito que um dia teriam um monumento de homenagem, não teria acreditado. Ainda menos, um monumento conjunto. Mas ele aí está. Original, conquanto da mesma escola do Fernando Pessoa no Chiado, de boa factura, excelente para fotografias de recordação, com o Nabão em fundo e lá em cima o castelo. Falo naturalmente da homenagem tomarense a Fernando Lopes Graça e Fernando de Araújo Ferreira.
Ambos tomarenses, da mesma geração e origem social, jornalistas e contestatários, aí acabam as semelhanças. Lopes Graça enveredou pela música. Foi um excelente compositor, maestro e musicólogo, tendo colaborado com Michel Giacometti na recolha do cancioneiro popular português. Militante comunista, cedo foi forçado a afastar-se de Tomar e mesmo a exilar-se nos países de leste, para escapar à prisão. Nunca teve por isso grande convivência social com Fernando Ferreira, salvo episodicamente depois do 25 de Abril. A sua obra musical é desconhecida da generalidade dos tomarenses e mesmo o seu espólio está em Cascais, a cuja autarquia o doou.

 
À esquerda  Nini Ferreira, que era de centro-direita. À direita Lopes Graça, que era de extrema-esquerda.

Pelo contrário, Fernando Ferreira, conhecido por Nini Ferreira, nasceu e sempre viveu em Tomar. Fundou o jornal O Templário, para contestar dentro do que cabia o então presidente da Câmara, o outro Fernando, mais tarde conhecido como general Oliveira. Farmacêutico de profissão, Nini foi caçador e pescador desportivo, bem como grande defensor do rio. Um ecologista avant la lettre, não só por acreditar na defesa do ambiente, mas também por interesse prático. Queria  um Nabão sem poluição, para poder pescar descansado.
Politicamente era um moderado, apoiante da guerra em África, tendo  mesmo visitado Angola durante o conflito, a convite do governo da época. Após o 25 de Abril revelou-se  apoiante do PPD- PSD. Quando convidado para liderar uma candidatura socialista à Câmara, recusou, apesar da insistência de amigos seus.
O grupo escultórico revela um duplo efeito turbo e  mostra várias incongruências. Duplo efeito turbo, pois a presença de Lopes Graça legitima a de Nini Ferreira e reciprocamente. Noutros termos: Os admiradores nabantinos de Lopes Graça, que não são muitos, mas já tiveram muita influência no poder local, revelaram inteligência e intuição política, ao perceberem que um monumento só a Lopes Graça "não passaria". Daí terem dado boleia aos social-democratas, que ficaram todos satisfeitos por poderem honrar o social-democrata Nini Ferreira, sem grande trabalho prévio de promoção.
Quanto a incongruências, há pelo menos três, que não podem deixar de ser assinaladas. A primeira é o "acasalamento" de dois conterrâneos que na vida real pouco ou nada se frequentaram e cujos ideais políticos foram totalmente divergentes, com uma única excepção -ambos foram inimigos figadais de Fernando de Oliveira. Nini Ferreira porque não concordava com a sua acção como presidente da Câmara. Lopes Graça porque o então capitão e depois major Oliveira, fora um dos tenentes do golpe militar do 28 de Maio, que mais tarde colocou Salazar no poder, bem como director da primeira versão do que veio a ser depois a prepotente e odiada PIDE/DGS.
A segunda incongruência resulta do posicionamento do monumento. Colocar Nini Ferreira de sobretudo e de costas para o Nabão, o rio onde pescou e que sempre defendeu, constitui a pior ofensa que lhe podiam fazer. 
Finalmente, há a questão da localização do monumento. Ali onde está, foi a Horta Torres Pinheiro, até ao final dos anos 40 do século passado, expropriada pela câmara dirigida por Fernando de Oliveira, para ali construir o estádio municipal, pois o espaço do anterior campo de jogos serviu para construir o actual mercado. Sucede que na época tanto Lopes Graça, como sobretudo Nini Ferreira, se pronunciaram e lutaram, dentro dos apertados limites do regime, contra a municipalização da Horta Torres Pinheiro, um pequeno-burguês como eles. Por conseguinte, colocar ali o grupo escultórico não só revela ignorância histórica como constitui uma ofensa à memória de todos eles. À de Fernando de Oliveira, por lhe colocar inimigos em casa. À dos homenageados, por legitimar assim uma posse pública que eles sempre contestaram.
O monumento melhor estaria portanto no Mouchão ou na Várzea Pequena, com Nini e Lopes Graça voltados para o rio. Mas em Tomar a lógica...
Falhanços tomarenses...

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