sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Coitados dos tomarenses

Está em discussão pública o projecto de requalificação da Várzea grande. Aproveitando o ensejo, um amigo enviou-me cópia de um video promocional sobre o citado projecto, naturalmente pago pela Câmara, com verbas provenientes dos nossos bolsos. Mal empregado dinheiro!
O leitor que, decerto tal como eu, ainda não entendeu a prioridade dada à requalificação do antigo rossio da vila, só pode ficar surpreendido ao ouvir proclamar que "A intervenção é imperativa" (1.41 no vídeo), conquanto não se explique de forma cabal porquê. Mas o melhor é mesmo ver e ouvir, clicando aqui
Já clicou? Então agora delicie-se, (ou lamente, consoante o seu posicionamento cívico e político), com um autêntico estendal de lugares comuns e, sobretudo, de asneiras históricas monumentais. O video dura 4 minutos e 48 segundos. Entre (  ) a localização de cada "pontapé" na história local. Oiça atentamente, que sempre acabará por aprender alguma coisinha:
1 - "Povoada sucessivamente por romanos, árabes, judeus e católicos". (0.11) Apesar de não existir qualquer indício da presença árabe, para além da invasão e cerco de 1190, reconheça-se que a frase soa bem. 
2 - Tomar cidade "património mundial da humanidade" (0.15) Existirá algum património mundial que não seja simultaneamente da humanidade, ou vice-versa? 
3 - "Como Gualdim Pais que conquistou a cidade aos mouros." (0.22) Aqui está um facto que até agora não era conhecido. A historiografia oficial sustenta, pelo contrário, apoiada na conhecida lápide da escadaria de acesso à Charola, que Gualdim Pais não conquistou coisa alguma, porque nada havia para conquistar. Nada. Nem cidade, nem vila, nem aldeia. Apenas território ermo, onde o mestre templário mandou edificar um castelo "por nome Tomar". Ou seja: até aí a terra ocupada pelos templários nem nome tinha. D. Afonso Henriques doara-lhes alguns anos antes "o termo de Ceras", que integrava portanto o que depois veio a ser Tomar.
4 - "A igreja de Santa Maria dos Olivais, a relembrar o Monte das oliveiras, em Jerusalém." (0,28) Outra afirmação no mínimo curiosa: uma igreja edificada num vale para relembrar um monte. Nem terá passado pela cabeça do autor de semelhante barbaridade que Santa Maria dos Olivais se refere apenas à localização do templo, no meio dos olivais, tal como o outro, hoje desaparecido, foi Santa Maria do Castelo, por estar no interior das muralhas do castelo.
5 - "A D. Filipe I ficou a dever-se a expansão do Convento de Cristo..." (0,54) Trata-se de mais uma novidade absoluta. Até agora era ponto assente que a expansão do Convento de Cristo se deveu sobretudo a D. João III, que nele mandou edificar cinco claustros, dormitórios, refeitório e as primeiras instalações da Santa Inquisição em Portugal (As Salas das cortes). Afinal parece que andamos todos enganados.
6 - "O pelourinho da Várzea grande" (1.09) Uma vez que o pelourinho sempre foi o símbolo da autoridade municipal, cada concelho só tinha um. Por conseguinte, se o nosso pelourinho é o da Várzea grande, aquele do Largo do Pelourinho é o quê? Um padrão filipino?
Dirão os responsáveis por semelhante vergonha, logo secundados pelos instalados nas várias manjedouras, que não virá mal ao Mundo por causa de alguns erros crassos num video promocional. Pois estão enganados. É grave. É mesmo muito grave, por se tratar de algo patrocinado pela autarquia, que é (ou devia ser) a máxima autoridade local, nesta e noutras matérias.
Para se ter uma ideia mais precisa dos estragos que um tal video poderá vir a causar, imagine-se por exemplo um professor de História, ou de Geografia, tentando ensinar aos seus alunos que quando Gualdim Pais iniciou a edificação do castelo, esta parte do vale do Nabão era um território despovoado. Que resposta poderá dar, quando um aluno o interromper dizendo-lhe -"Mas eu ouvi num video da câmara que Gualdim Pais conquistou o castelo aos mouros" ? 
Já o ano passado foi dito nestas colunas que o projecto da Várzea grande é extemporâneo e não tem qualidade. Entretanto a DGPC deu-lhe um forte machadada, ao proibir o aparcamento de autocarros no terreno da antiga messe de oficiais. Verifica-se agora que o video promocional que dele faz parte também deixa muito a desejar.. 
Coitados dos tomarenses. Não sendo grandes ovelhas do rebanho do Senhor, mereciam mesmo assim melhor sorte. Bem diz o povo: "Uma desgraça nunca vem só."

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Chiça! Ninguém reage! Ninguém comenta! Ninguém abre a boca! Ninguém se expõe? Não tenho dúvidas de que este é o blogue mais lido pelos setores mais cultos e ativos da cidade - politicamente falando. Tamanha cobardia não imaginava nas chamadas elites da cidade. "Coitados dos tomarenses"! Eu sabia que Tomar era a capital da cagança, do pequeno-burguesismo, mas esta indiferença a uma denúncia como a deste post, sem qualquer reação, ultrapassa tudo. Porra!

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    1. Acredito que não se trata de indiferença. É sobretudo cobardia e medo. O império do "nunca se sabe, o Mundo dá muita volta". Como bem sabes, durante os 48 longos anos do regime saído do 28 de Maio, foram bem raros os que ousaram abrir o bico. Em Tomar não chegaram a uma dúzia. Só algum tempo depois do 25 de Abril, quando era já ponto assente que o movimento dos capitães vencera, é que uma grande parte da população assumiu que sempre fora da oposição...em silêncio. Em Tomar foi lindo de se ver. A manifestação do 1º de Maio foi grandiosa. Para quê? Quatro décadas volvidas somos cada vez mais uma terra decrépita e calada, povoada de hipócritas conformistas, cagados de medo.
      Mas não te aflijas que há reacções. Só que são recalcadas, "para dentro". Basta indagar como é que vai a venda de drogas para dormir, para ficar informado.Portugal está nos três primeiros lugares (depende do ano) e em Tomar a percentagem de consumidores chega a ser quase o dobro do Porto, por exemplo.
      Elas não matam mas moem... e deixam marcas.

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