terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Os tomarenses e os seus notáveis

Esclarecimento prévio

O escrito seguinte é publicado com algum atraso, o qual não resultou de qualquer tolerância de ponto, ou dificuldade de redacção. Apenas de uma arreliadora interrupção no fornecimento de energia eléctrica,  entre a uma e as onze horas de hoje. 


4 - Homenagem à Festa dos Tabuleiros

PRÓLOGO


Sei, um saber de experiência feito, que há em Tomar alguns temas sobre os quais nunca é conveniente falar, nem sobretudo escrever. O principal é a  Festa dos Tabuleiros. Mal alguém abre a boca ou publica algum texto sobre essa matéria, é logo apodado de todos os nomes, por interlocutores mal dispostos que rematam em geral com um sonoro "Nem parece que é tomarense!" Um pouco como fazem os independentistas catalães, quando alguém ousa abordar de forma isenta a questão da independência.
Parece-me que tal atitude extrema mostra, no caso da Festa dos tabuleiros, falta de segurança ou, mais precisamente, medo do novo, da mudança e do futuro. O que é bastante singular, pois a Festa grande, tal como a conhecemos, mais não é afinal que a versão moderna de uma celebração antiga. A versão Santos Simões, Jones para os amigos.
Carecem portanto de respaldo, julgo eu, todas aqueles que se armam em defensores da tradição e da festa, sem que para isso tenham sido mandatados por quem quer que seja. Dito isto, deixando para outra ocasião uma intervenção mais profunda sobre conservadorismo e tradição, esclareço uma vez mais que nada me anima contra a Festa grande tomarense, ou contra todos aqueles que nela participam, irmanados no saudável princípio de servir Tomar. Que é exactamente aquilo que eu também procuro fazer, decerto nem sempre bem, porém com sinceridade, transparência e honestidade.

O caso das silhuetas

Quem chega a Tomar pela entrada sul da cidade, vê a dada altura na sua frente três elegantes silhuetas femininas, cada uma com um tabuleiro à cabeça. Quem entra pelo leste, avista apenas uma silhueta. E quem vem pelo lado norte, ou pelo poente, não vê qualquer silhueta, apenas a placa central da rotunda:




Mais insólito ainda, entre as três silhuetas do lado de Lisboa e a outra do lado de Coimbra, aparece o topónimo TOMAR. Como se, ali chegado, o visitante ainda precisasse de saber onde está. Não tem jeito nenhum.
Trata-se, como o leitor já percebeu, de um monumento homenageando a Festa dos tabuleiros, justificado orgulho dos tomarenses todos. Infelizmente, a sua actual configuração não parece ser a ideal. Longe disso. Desde logo, porque o lógico seria uma silhueta voltada para cada uma das entradas da cidade, que por acaso coincidem sensivelmente com os pontos cardeais: Quem vem de Leiria - Ourém entra pelo norte, de Coimbra pelo leste, de Lisboa pelo sul e de Torres Novas - Convento de Cristo, pelo oeste. Nestas condições, adicionar no lado de Lisboa as duas figuras que faltam a norte e a oeste, respectivamente, não parece nada racional. Pode ser que haja uma explicação aceitável. No estado actual das coisas, sinceramente não se vê qual.
Segue-se que, numa época em que cada vez se protesta mais contra o sexismo, não parece ser boa política praticar nas margens nabantinas essa discriminação, mas às avessas. Se a festa é fundamentalmente composta por pares, em que o elemento feminino leva o tabuleiro, que é feito do ajudante ou parceiro? Qual a justificação para representar unicamente silhuetas femininas? Concordo inteiramente que na festa não consintam pares do mesmo sexo, pois essa não é a tradição. Mas se, tal como para dançar o tango, no cortejo dos tabuleiros também são precisos dois, porque eliminaram o par masculino?
Terceiro e último aspecto, porquê silhuetas cobertas de ferrugem? A Festa dos tabuleiros é sobretudo alegria e cor. Por conseguinte, o que impede silhuetas esmaltadas com as cores dominantes, elas de branco e com as fitas de várias cores, consoante as freguesias, eles de camisa branca, gravata vermelha e calça preta? Ficaria muito dispendioso? Pois então coloquem silhuetas inoxidáveis, cromadas ou em latão dourado. Com ferrugem é que não faz sentido, nem prestigia.
Até porque, os visitantes que nunca assistiram ao grande cortejo, olhando para as silhuetas actuais, também não ficam a perceber de que se trata. E para os tomarenses, entre os quais se inclui o autor destas linhas, por vezes o acaso faz as coisas muito bem feitas. Neste caso, parece óbvio que as silhuetas estão cobertas de ferrugem porque o modelo organizativo da Festa dos tabuleiros, totalmente dependente da autarquia, também está cada vez mais ferrugento. A precisar de modernização urgente. Respeitando o essencial da tradição, bem entendido.
Uma autarquia de um pequeno concelho, agora com apenas 35 mil eleitores, quando já foram mais de 40 mil, que gasta 40% do seu orçamento com pessoal, factura apenas metade da água que compra para abastecimento público, e assume uma despesa anual superior a 300 mil euros com transportes urbanos para uma pequena minoria, não deve dar-se ao luxo de gastar mais de 300 mil euros com cada edição da Festa dos tabuleiros sem entradas pagas. Sob pena de arruinar a cidade e o concelho, lentamente mas sem retorno. A crescente fuga da população aí está para o demonstrar.

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