sábado, 23 de dezembro de 2017

Os tomarenses e os seus notáveis

É uma das vias para tentar compreender a mentalidade dominante numa determinada urbe. Observar como eleitos e simples habitantes honram ou não os seus notáveis. Aqueles que consideram excepcionais. Os heróis, em suma.
Tomar a dianteira resolveu levar a cabo essa tarefa, que basicamente consiste em enumerar, observar e comentar os monumentos dedicados a personalidades honradas com estátuas ou simples bustos. Serão nove  textos sucessivos, tratando respectivamente de Gualdim Pais, Infante D. Henrique, Soldado desconhecido, Silhuetas dos tabuleiros, Manuel Mendes Godinho, Monumento ao bombeiro, Lopes Graça/Nini Ferreira e General Fernando de Oliveira.

1 - O fundador de Tomar

Incongruências e outras inconveniências

Desde os anos 40 do século passado que o monumento a Gualdim Pais, fundador do castelo e da povoação, ocupa o centro da Praça da República, local onde, respeitando a tradição, devia estar o pelourinho, símbolo da autonomia municipal. Erguido por subscrição pública, aquilo é manifestamente um empecilho, que corta muitas das perspectivas da praça, conforme se pode constatar nesta imagem:


Se fosse esse o único óbice, até que nem seria fatal. Infelizmente há muitos mais. Desde logo, a ideia de representar a pé o mestre de uma ordem de cavalaria, com esporas e tudo, porque o dinheiro da subscrição não chegou para o cavalo, é uma ideia pouco feliz. Segue-se que o próprio pedestal é um erro crasso, ao incluir ameias pontiagudas, que só existem nas fortalezas do norte do país.
A questão do perfil já é tão corriqueira que nem vale a pena adiantar mais. Mas já reparou que afinal o ilustre mestre templário está representado como se fosse ligeiramente marreco? Ora repare bem:


Temos ainda a questão do escudo, a proteger a sua rectaguarda, assaz significativo quando se considera, como vincam os seus defensores, que Gualdim Pais está a pé porque com o foral na mão, no momento antes de o entregar. Surgem assim três perguntas: Se vai entregar o foral, qual a serventia do escudo, uma vez que o mestre tinha logicamente um escudeiro? Indo entregar o foral, porque está virado para a igreja? Ia entregar o foral ao povo, ou ao senhor vigário da época, que oficiava lá em cima no castelo?
Tendo em conta todas estas incongruências e inconveniências, logo a seguir ao 25 de Abril circulou um abaixo assinado, que conseguiu bastante adesão, a defender a transferência da estátua para o terreiro da Cerrada dos Cães, junto ao castelo, onde está previsto desde os anos 60 um local para a sua instalação. No fundo, o regresso às origens, pois a povoação que Gualdim Pais fundou era lá em cima, dentro das muralhas, até ao século XVI. Só após a reforma da Ordem de Cristo, em 1529, a população foi forçada a abandonar a até então freguesia de Santa Maria do Castelo, (que entretanto desapareceu por falta de fregueses), vindo sobretudo para Santa Maria dos Olivais, ou simplesmente Santa Maria de Tomar. 
Perante a dita petição, gerou-se alguma polémica, com descendentes dos tomarenses que contribuíram para o monumento a afirmar que o mesmo tem de estar bem à vista de todos. Ficou-se assim a saber que, embora cheio de defeitos, aquele conjunto não homenageia só o fundador de Tomar mas também os generosos doadores. Terá sido para isso mesmo que lá foi colocada a inscrição "Por subscrição pública", bem visível na primeira imagem.
Bizarrias nabantinas.

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