quarta-feira, 19 de julho de 2017

O rei vai nu

A história é conhecida. Bem conhecida até. Mas só por quem lê e percebe mesmo aquilo que lê. Uma minoria. 
Alfaiates habilidosos e gananciosos, tendo percebido a vaidade e a credulidade do seu rei, resolveram ganhar um pequena fortuna, usando apenas conversa da treta em vez de tecidos e habilidade no respectivo corte. Conseguiram assim convencer o rei, antes de determinado desfile, que o seu traje era o último grito da moda, tanto em figurino como em qualidade dos tecidos e do corte.
Contente, o soberano lá foi, todo orgulhoso, até que já a meio do percurso, uma criança daquelas ainda não contaminadas pelo imperativo da conveniência, lançou o alerta: -O rei vai nu! E foi o choque. A multidão só então se deu conta, uma vez quebrados os óculos da subserviência, graças ao grito desinibido da criança, que era mesmo o caso. O rei estava nu. E logo ali apareceram lenços, mantas e outro vestuário despido à pressa, para tentar ultrapassar o problema, vestindo o rei.
Anteontem, o presidente da Câmara de Alijó, ante um incêndio pavoroso e logo a poucos meses das autárquicas, fez como a criança desinibida da história anterior. Lançou o alerta: -"Tem de vir alguém que saiba apagar incêndios." Sintetizou assim, muito provavelmente sem disso se dar conta, o triste estado das coisas neste país, com um clima tão agradável e uma população tão boa e acolhedora. Somos os reis do improviso. Não há planos para nada. Nem quem esteja habituado a elaborar programas de actuação. Quem saiba, em suma.  Com os resultados que todos conhecemos, nomeadamente na área dos incêndios, mas não só. E depois a culpa é sempre do contexto, do material e dos outros.


Ia a escrever que, aqui pelas bandas nabantinas, também havia de vir alguém que saiba fazer planos, escrever programas, estruturar campanhas eleitorais e governar bem uma autarquia. Mas depois, pensando melhor, dei-me conta que tal seria considerado como uma crítica injusta, feita por quem os candidatos consideram inimigo, uma vez que nunca aprenderam a viver numa democracia plural, forçosamente com informação livre. Coisa que os políticos que temos detestam. Se calhar - lá está!- por falta de adequados planos de aprendizagem e devido aos exemplos lá de casa.
Se bem me recordo, há quem acuse alguns docentes de não saberem ensinar, mas nunca ouvi ninguém reconhecer que também há muitos alunos que não sabem aprender. Nem querem saber. Seguem o exemplo lá de casa.
Chegamos assim a outra história, desta feita uma antiga lengalenga, todavia tão actual: 
Diálogo ocorrido durante a fase de selecção de uma empregada doméstica (quando ainda havia tal categoria laboral).
-Sabes fazer chá como deve ser? 
-Sei sim senhor. 
-Então como é que se faz?
-Pega-se nos grãos pretos, põe-se a moer, mete-se o pó no saco, enfia-se na cafeteira, acrescenta-se água, vai ao lume...
-Mas isso é café de saco!
-Pois é sim senhor.
-Mas tu disseste que sabes fazer chá a preceito.
-E sei.
-Então como é que fazes? Explica lá!
-Pega-se nos grãos pretos, põe-se a moer, mete-se o pó no saco... 

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