quinta-feira, 8 de junho de 2017

Eu cidadão agreste me confesso

Escrever é para mim uma forma de se explicar, sem todavia ir ao fundo das coisas. É o que tenho vindo a fazer neste blogue. Descrever o acessório, como forma de esconder o essencial. Ultrapassados os 75, chegou agora o tempo e o momento de dizer a verdade toda. Mesmo a mais íntima.
Têm razão os que me acusam pela calada de ser demasiado agreste, contundente, polémico. Ignoram, ou nem sempre têm em conta, que estive na guerra em Angola. Que aí dormi numa tenda durante mais de seis meses, com a arma carregada ao lado, no meio do mato, a cerca de 80 quilómetros da fronteira norte. Que aí vi o horror e a morte. E que há uma perturbação psicológica conhecida como pós-stress traumático, da qual padecem dezenas de milhares de camaradas de armas.
Desde o regresso ao "puto" que venho procurando ultrapassar esse trauma global. Tanto pela emigração primeiro, como pela escrita mais tarde. Nem sempre com êxito. Mais de meio século volvido, ainda acordo de quando em vez com suores frios.
É que ao trauma da guerra  se têm vindo a juntar vários outros, para mim tão mais graves quanto é certo que a armadura psicológica se encontra muito fragilizada desde o primeiro e maior sofrimento. Vou procurando ultrapassar essa situação dolorosa, embora muitas vezes com pouco ou nenhum sucesso.
Nesta altura atormentam-me duas questões centrais. O governo da cidade e a minha situação. Quanto à primeira, que é fundamental, vou fazendo o que posso, sem ilusões. Não sou candidato nem virei a sê-lo, o que me faculta inteira liberdade crítica. Mas a falta de eco,  a impotência em suma, pesam-me.
No que se refere à segunda,  há um problema que me atormenta sobremaneira. Há uns anos, comprei um prédio arruinado, com um terreno anexo, na cidade antiga, a cerca de 200 metros da igreja de S. João. Aí tencionava mandar construir, em duas fases, dois edifícios com um total de 12 apartamentos T 1. Para grande surpresa minha, o projecto da primeira fase foi chumbado, durante o mandato de Carlos Carrão. Tendo requerido e obtido a respectiva consulta, constatei que a decisão não teria sido inteiramente limpa, uma vez que se indicava que o prédio em questão estava situado num caminho vicinal, quando afinal se tratava da Rua Inês Pereira, na então freguesia de S. João Baptista. O que me levou a deduzir que era um caso de dificuldades por cima da mesa e facilidades por baixo da mesma.
Queixei-me, numa escrita viva e algo agreste que é a minha. Nunca obtive qualquer resposta. Só muito mais tarde, já no actual mandato PS, tomei conhecimento de que os visados na minha reclamação recomendaram ao executivo que apresentasse queixa contra mim, por calúnia...
Em 2014 ou 2015, já não me recordo bem, o vereador Cristóvão perguntou-me se eu não estaria interessado em resolver o problema subjacente à minha reclamação, nunca respondida pelo executivo. Disse-lhe que me desinteressara do assunto, pois entretanto perdera a mãe do meu filho e a minha vida se alterara em consequência. Face à insistência, aceitei uma reunião conjunta com o vereador Serrano, indo eu acompanhado dos autores do projecto indeferido, arquitecto Madureira Miguel e engenheiro Mão de Ferro.
Correu tudo bem. Ficou acordada uma pequena alteração ao PDM, que depois foi efectuada e publicada no DR, a qual tornou possível o aumento das cérceas, ao modificar os limites das áreas de protecção de S. Gregório e da Senhora da Piedade.
Face à nova e auspiciosa situação, idealizei um conjunto de 30 camas em alojamento local, em vez dos previstos 12 apartamentos. Mas depressa fiquei desiludido. Na sequência do falecimento da minha companheira de 36 anos, houve partilhas e deixei de ter recursos disponíveis para financiar o projecto. Procurei crédito bancário e fui muito bem acolhido. O problema residiu no obrigatório seguro de vida, com custos proibitivos, dada a minha idade.
De forma que estou assim. Ao trauma inicial da guerra foram-se juntando vários outros, que me abstenho de enumerar, para não abusar da paciência de quem me lê. Avulta este de querer e já não poder, que é o mais terrível, porque mais actual e por isso mais vivo no espírito.
A solução seria que alguém me comprasse o terreno, pois o prédio já foi entretanto demolido. Só que os privados não estão para aí virados, apesar do preço convidativo, e autarquia, que ali poderia construir um conjunto de habitação social, não está nada interessada em ajudar quem a critica. Procuro compreender, pelo que me resta ir continuando a sofrer, agradecendo aos leitores a paciência que têm tido para me aturar.

anfrarebelo@gmail.com

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