quinta-feira, 11 de maio de 2017

As Cassandras do costume

É no que dá ter sido formado longe do vale nabantino. Comecei um comentário com a expressão "As Cassandras do costume" e só depois me dei que, pese embora a bem conhecida base cultural dos tomarenses, é capaz de haver alguns que ignoram o que tal coisa possa querer dizer. Procurado obstar a tal eventualidade e sem desprimor para os leitores de Tomar a dianteira, segue-se uma explicação prévia.
Armar-se em Cassandra significa fazer previsões alarmistas ou dramáticas, que ninguém leva a sério. Trata-se de uma expressão geralmente usada para designar alguém demasiado pessimista. (Assim como muitos tomarenses consideram o administrador de Tomar a dianteira, estão a ver ?!)
Na mitologia grega, Cassandra era filha de Priam, rei de Tróia. Querendo conquistá-la, o deus Apolo deu-lhe a faculdade de prever o futuro. Mais tarde como ela não aceitou o seu amor, Apolo determinou que jamais a levariam a sério.
Explicada a coisa, passemos ao referido comentário. 
As Cassandras do costume aí estão a prever o pior para Emmanuel Macron. Assim uma espécie de 12 trabalhos de Astérix. Ou pior ainda. Começaram por não acreditar no seu movimento En Marche. Depois previram que muito dificilmente conseguiria passar à segunda volta. Mais tarde ainda, vaticinaram que não conseguiria vencer Le Pen por uma margem significativa, uma vez que não contaria com todos os votos de Mélenchon. Concluindo essa fase, o convencido líder da França Insubmissa exigiu até a Macron que alterasse o seu programa, como condição para anunciar que votaria nele. Macron recusou, não teve o pleno dos votos mélenchonistas e mesmo assim bateu largamente Marine de Pen, conseguindo o segundo melhor resultado de sempre na V República, só ultrapassado pelos 82% de Chirac, em 2002, contra o pai de Marine Le Pen, o inefável Jean-Marie, que considera, entre outras barbaridades, ter sido o Holocausto apenas um detalhe da 2ª Guerra mundial.
Agora e até 11 de Junho, data da primeira volta das legislativas francesas, as previsões das Cassandras pretendem que Macron não conseguirá obter uma maioria absoluta na futura assembleia nacional, o que o impedirá de implementar as prometidas e indispensáveis reformas. Baseiam-se no facto de ser um novato na política e de não dispor de uma máquina partidária bem rodada.
Chega-se até a algo inédito e contraditório no campo político em França. Ainda o vencedor nem sequer tomou posse e já há manifestações de rua contra a sua anunciada política, que ninguém sabe concretamente qual seja.
Esquecem essas criaturas, acostumadas a analisar a realidade através de lentes vermelhas, duas ou três coisas básicas. Antes de mais, que os franceses têm uma experiência democrática acumulada de mais de dois séculos, o que os torna mais abertos à mudança e mais virados para o futuro. Depois, que o muito jovem movimento que apoia Macron já conta, mesmo assim, com mais de 250 mil participantes benévolos. A seguir, que Macron foi apoiado pela França das cidades, da classe média alta, dos quadros médios e superiores. Da França que mexe, em suma. Finalmente, dá-se o caso de as legislativas em França não serem proporcionais, mas uninominais a duas voltas. O que significa que na primeira volta só ganha quem obtiver mais de 50% mais um dos votos expressos. E a Frente Nacional só conseguiu 34% , pelo que muito dificilmente a maioria dos candidatos de Le Pen conseguirá vencer. Depois, só podem passar à segunda volta os candidatos que obtiveram mais de 12,5% de votos na primeira, e tradicionalmente constituem-se, na maior parte dos casos, alianças republicanas a favor do candidato melhor posicionado para derrotar a FN. Foi assim que no actual parlamento francês Le Pen apenas conseguiu 15 lugares em 577.
Tendo em conta o que antecede e mais o que calo para poupar a paciência dos leitores, o meu prognóstico, cinco semanas antes, é que Macron vai conseguir uma confortável  maioria absoluta, que lhe permitirá governar com coragem, muitas vezes contra a opinião das manifestações de rua. Oxalá!

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