terça-feira, 14 de março de 2017

Valha-nos Deus!

Ainda lembrados da recente crispação, a propósito das opções religiosas da presidente Anabela Freitas, que pode reler aqui e aqui, os tomarenses estão de novo confrontados com a susceptibilidade da paróquia local. Desta vez, trata-se daquele inestético corrimão em aço inox, ilegalmente instalado nas escadas exteriores de acesso à Igreja de Santa Maria.
É uma situação deveras curiosa. Antes de mais, porque a Igreja Católica, em geral designada nos bons tempos de antanho apenas como "a Igreja", que bastas vezes se queixa de ter sido esbulhada pelo Estado, designadamente em 1834, com a extinção das congregações religiosas e a nacionalização dos seus bens, em Tomar não tem qualquer razão de queixa. Os dois principais templos que actualmente utiliza nunca foram obra ou propriedade sua. S. João Baptista surgiu primeiro como capela privada do Infante D. Henrique, tendo sido mais tarde ampliada para capela real de D. Manuel I, e Santa Maria pertenceu até 1834 à Ordem de Cristo, tendo sido desde a sua fundação o panteão dos mestres Templários e depois de Cristo. Foi vandalizada no século XVI, por ordem do fanático ultramontano Frei António de Lisboa, que a pretexto de construir capelas ainda hoje inúteis, mandou arrasar todos os túmulos mestrais ali existentes. Os dois templos são, desde 1834, propriedade do Estado, actualmente tutelados pelo Ministério da Cultura - Direcção-Geral do Património Cultural.

Resultado de imagem para fotos exteriores da igreja de santa maria dos olivais em Tomar

Nos termos da Concordata, celebrada entre a República Portuguesa e o Estado do Vaticano, a Igreja Católica pode usar gratuitamente os templos pertença do Estado, assumindo a responsabilidade pela protecção desse património. Ao arrepio desta situação juridicamente muito clara, o líder da paróquia urbana tomarense resolveu, há poucos anos, que faziam falta uns corrimãos inox no exterior e no interior da vetusta igreja de Santa Maria. Vai daí, encomendou e mandou instalar, sem ter solicitado qualquer licença camarária, ou autorização prévia da tutela. Agiu como se fosse dono e senhor de tudo aquilo. E legalmente não é.
Houve então alguns protestos nas redes sociais, nomeadamente de um conhecido arquitecto local, mas o incidente morreu, de morte macaca, como quase tudo em Tomar. Prudente ou cobarde, consoante os pontos de vista, o executivo municipal nunca intimou a paróquia, (que está sujeita às leis da República, como qualquer outro cidadão ou entidade colectiva), a mandar retirar os corrimãos inox, colocados ilegalmente e que destoam completamente num templo gótico octocentenário.
Resultado dessa óbvia demissão do executivo municipal, face à sua obrigação de proteger o património, que é de todos nós e não  da paróquia, agora há quem venha queixar-se que o corrimão inox exterior está meio solto, a necessitar de reparação urgente, e que, apesar de solicitada por diversas vezes, a câmara finge ser surda.
É realmente o cúmulo da ignorância (ou do fingimento?), da falta de vergonha e de bom senso cívico. Mandar fazer obras duplamente ilegais, porque executadas sem licença e em propriedade alheia, e depois solicitar à autarquia a reparação dessas obras, que nunca autorizou ou legalizou, não lembra ao diabo, mas lembrou a alguns crentes católicos tomarenses. É mais uma originalidade nabantina.
Bem sei. O catolicismo local vai alegar, em defesa do seu pastor, que há a questão dos fiéis com dificuldades de locomoção. Pois há. Então e nos sete séculos anteriores, não havia? E essa nova necessidade dos crentes com caruncho nas pernas, como eu, é incompatível com a solicitação de licenças e autorizações prévias, ao proprietário e à autoridade local em matéria de obras? Ou será apenas mais um exemplo de egocentrismo e arrogância mal disfarçada, do tipo quero, posso e mando?
Um reparo final. A Igreja Católica tem, no seu vasto universo, milhares de padres operários. Infelizmente, não é o caso dos clérigos da paróquia de Tomar. Mesmo assim, nenhum deles sabe pegar num berbequim eléctrico adaptado, ou numa chave de parafusos adequada, e proceder à necessária reparação do referido corrimão? E também não há nenhum crente católico, competente nessa área, que aceite fazer o trabalho, pela graça de Deus? Ou trata-se apenas de arranjar fricções com o actual executivo camarário, para realçar que o outro candidato é que é bom?
Os tomarenses, mesmo os que não frequentam a igreja, também não são assim tão desprovidos de massa cinzenta. Embora por vezes tal possa parecer ao clero local.
Valha-nos Deus!

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