sábado, 4 de março de 2017

A resposta do cão velho


No decorrer da cerimónia de entrega dos prémios às personalidades do ano 2016, uma organização do semanário regional O MIRANTE, a senhora presidente da Câmara de Tomar entendeu dever homenagear todos os cidadãos que procuram, pela crítica honesta e frontal, que as coisas melhorem para todos, sem excepção. E foi extremamente simpática. Disse, a dado passo da sua intervenção, que "se vivem dias em que "qualquer cão se senta atrás de um teclado". Eu já conhecia a do porco a andar de bicicleta. Essa do cão sentado atrás de um teclado, confesso ser a primeira vez que a li. Faltando de resto apurar a que cão se pretendia referir a ilustre autarca. Cão pianista? Cão teclista? Cão dactilógrafo? Por razões óbvias, optei por esta última, pelo que aconselho cada um dos cães visados, (e cadelas, caso as haja, uma vez que abundam os comentários anónimos), a fazer o favor de agradecer à simpática autarca, ladrando o que lhe aprouver, se assim o entender.
No que me diz respeito, peço licença para corrigir a senhora presidente. Não sou qualquer cão. Nem me considero um cão qualquer. Sou um animal velho e por isso bastante experiente. Com muito Mundo e formado em Paris, nos idos de Maio de 68. Poucos no país, ou nenhuns aqui em Tomar, poderão ladrar outro tanto. Além disso, sempre tive o hábito, se calhar lamentável, de ser frontal. Não me sento atrás, mas bem à frente do teclado. Não me escondo. Sempre mostrei e continuarei a mostrar o focinho, ladrando o nome por baixo.
Ainda a propósito de cães e homenagens, quando a corte portuguesa estava aqui no Brasil, no século XIX, a certa altura a penúria era tanta que convenceram o rei a consentir na venda de títulos de nobreza. Directamente. Nessa altura ainda não havia isso que agora se chama agências de comunicação. Outros tempos.
O negócio expandiu-se de tal forma que ainda hoje, por todo o Brasil, abundam as ruas baptizadas com nomes de titulares da nobreza tropical. Só aqui em Fortaleza, temos entre outras: Barão de Aratanha, Barão de Aracati, Barão de Mauá, Barão de Studart, Visconde de Rio Branco... Vai daí, a crítica da época não perdoou. Engendrou e ladrou um curto diálogo, muito adaptado à actual situação: "-Foge cão, que te fazem barão! -E para onde, se me fazem conde?" Moral da história: Às homenagens promocionais ninguém escapa. Pagando, claro está. Directamente ou por intermediação, que rima com comunicação.
Uma nota final. Disse a senhora que não é presidente da câmara. Está presidente da câmara. Permita-me que lhe diga tratar-se de uma redundância. Se é. está; se está, é. De resto, em francês, língua latina como a nossa, há apenas um verbo para as duas acepções: Je suis portugais, mais en ce moment je suis ao Brésil. (Sou português, mas nesta altura estou no Brasil.) Por conseguinte, ser ou estar são uma e a mesma coisa. 
Quando muito, poder-se-à considerar que, se um autarca contribui decisivamente para o desenvolvimento do seu concelho, é presidente da câmara. Se pelo contrário recebe o ordenado e pouco mais, então só está presidente da câmara. Mas decerto não foi isso que a senhora presidente quis dizer. Resvalou-lhe o discurso para a verdade, foi o que foi. Há lapsos muito inoportunos, sendo igualmente verdade que o português é um idioma muito traiçoeiro. Como está à vista.

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