terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Um querela tomarense desabrigada

Um cidadão de 81 anos resolveu acampar sob os arcos dos Paços do Concelho. Soube-se posteriormente que é originário de Ferreira do Zêzere, onde tem casa e companheira, que terá abandonado. Numa outra versão, já esteve num lar para a 3ª idade, em Alfeizerão, de onde se ausentou. Versões coincidentes dizem tratar-se de um idoso com problemas de excesso de álcool, bem como algumas dificuldades comportamentais, eventualmente ligadas a senilidade própria da idade.
Cumprindo a sua missão de informar, o nosso estimado colega Tomar na rede noticiou a ocorrência, acompanhada de uma foto do referido cidadão, com parte das pernas à vista. Foi quanto bastou para reavivar velhas questões e incendiar alguns ânimos mais provincianos.
Quem tenha algum Mundo, sabe que por todo o lado, sem excepção, há cidadãos a viver na rua. São aos milhares, de Pequim ao Rio de Janeiro, de Moscovo a Nova Iorque, ou de Nova Deli a Estocolmo. Aqui em Fortaleza, Ceará, de onde escrevo, são às centenas, nos bairros mais próximos do mar. Todos com as suas particularidades. Em Washington, por exemplo, são quase todos ex-militares, enquanto em Paris, os célebres clochards têm a sua própria cultura, da qual não abdicam.

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Clochard algures em Paris, aproveitando o ar quente proveniente do Metro

Na capital, e suponho que nas outras grandes cidades, as autoridades francesas limitam-se a manter abertas as estações do Metro durante o Inverno, enquanto durante o resto do ano recolhem os SDF (Sem Domicílio Fixo) duas vezes por mês, para banho, exame médico, corte de cabelo se consentido, desparasitação e muda de roupa, almoço ou jantar, após o que podem regressar à sua vida...
Em Tomar, a ocorrência causou celeuma, por ser rara e portanto insólita. Os cidadãos paternalistas de um estado e uma autarquia assistencialistas com intuitos eleitorais, desataram logo a atribuir culpas à câmara. Nem se deram conta de que o cidadão, mesmo sem domicílio fixo, não perdeu os seus direitos civis, pelo que não é possível fazer o que quer que seja sem o seu consentimento prévio. A não ser que se mostre incapaz de tomar conta de si. Mesmo nesse caso extremo, só o poder judicial, mediante decisão motivada de um juíz, pode determinar um internamento provisório para exames médicos, após o que, se houver fundamento para tanto, o internamento pode ser prolongado para adequada terapêutica. Tudo o resto não passa de palpites, em geral de pessoas que melhor fora manterem um prudente silêncio.
Sentindo-se acossada pela opinião pública, consciente de estar em ano eleitoral, a senhora presidente decidiu avançar com um comunicado sobre o assunto. Fez bem, porque assim esclareceu os seus eleitores e os outros. Pena que tenha sido infeliz na parte final. Apesar da recente prática trumpista, não fica bem aos eleitos criticarem os órgãos de informação. Quanto mais não seja porque nem os directores nem os jornalistas são eleitos ou pagos com dinheiro dos contribuintes, pelo que apenas devem lealdade e explicações aos leitores. Nunca ao poder.
Além disso, acusar veladamente o jornalista José Gaio de ter violado a intimidade do cidadão acampado, carece de qualquer fundamento. Tomar na rede apenas publicou uma foto, onde se pode ver uma parte das pernas do citado cidadão, sem qualquer intuito de devassa ou chacota. Muito menos do que se estivesse na praia, que é um local público tal como os arcos da câmara. Nestas condições, falar de atentado à intimidade, parece-me ter mais a ver com tentativa de intimidação. Que de resto já levou o visado a responder aqui.
Em conclusão, trata-se de uma querela tomarense desabrigada, originada por um sem abrigo. Coisas do provincianismo, uma maleita antiga que continua sem cura, pois os obstinados nunca mudam. Uma maneira como outra qualquer de ocupar o tempo, evitando abordar questões realmente importantes para a cidade e para o concelho. Mas lá terão de chegar. Que remédio!

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