segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Se fosse só a linguagem reles...

Foi José Gaio que corajosamente levantou o problema aqui. Porque já antes tinha tido a coragem cidadã de ir assistir a reuniões da Câmara e/ou da Assembleia Municipal. Suplícios que francamente a minha idade já não me permite aguentar. E não falo só da linguagem reles, ou pouco cuidada, se preferem que seja mais moderado. Porque se o problema fosse só a linguagem, estaríamos todos bem melhor.
Desgraçadamente, a política local, sobretudo na sua expressão autárquica, parece-me uma coisa redonda, sem ponta por onde se lhe pegue. A linguagem é apenas uma das vertentes desse desastre, embora em pense que é também a melhor montra para analisar e tentar perceber o nosso drama colectivo. Escrevo isto porque, como é geralmente sabido, pois consta dos manuais adequados, há quatro meios principais para conhecer uma pessoa: o olhar, a expressão facial, a oralidade e a escrita. Pode-se acrescentar um quinto, porém só para aferir do treino em matéria de boas maneiras: o comportamento à mesa.
Desses quatro meios principais, dois são fugidios e dificilmente catalogáveis. Já os dois outros, a oralidade e a escrita, são autênticas montras das capacidades de cada um, sempre escancaradas e à mercê de quem queira e saiba olhar. Não é o local nem o momento para alargar demasiado o assunto, convindo no entanto acrescentar mais algumas considerações. Desde logo esta, que é fundamental e condiciona todas as outras: pensamento, oralidade e escrita formam sempre um todo, sendo que a duas últimas são apenas amostragens e consequências do primeiro. Ou seja, quem domina pouco vocabulário só pode alinhar frases pobres ou frases feitas, assim como quem não consegue escrever ou falar com correnteza, muito dificilmente será capaz de elaborar um raciocínio complexo. E sem raciocínio complexo prévio, não é possível haver decisões fundamentadas. Só por mero acaso. Não se deve por isso estranhar que na política, sobretudo em Tomar, abundem as decisões desgarradas, que pouco depois se revelam incompletas ou até completamente inadequadas. É só olharmos à nossa volta.




Há, é certo, a questão da oralidade, que pode ser inibida por questões de índole psicológica, problemática que todavia não se pode colocar no caso da escrita. Espanta por isso que haja na política local tanta gente que se apresentou ao voto, sem que para tanto disponha das condições mínimas. Mas também é verdade que, para perceber isso, já é preciso ter capacidade para entender alguma coisinha, o que nem sempre é o caso.
Termino com uma velha anedota de caserna, para tentar recompensar os que tiveram a paciência de me ler até aqui e que ainda a não conheçam. Tem a ver com vocabulário, tipos e níveis de língua.
A cena passa-se junto à porta de armas (a entrada principal de um quartel). Um dos soldados de serviço dirige-se ao sargento da guarda e pede-lhe autorização para ir à cidade à hora do almoço.  
-E para que queres tu ir à cidade a essa hora, indaga o sargento. -É que só volto a estar de sentinela às duas da tarde, meu sargento, e queria ir almoçar com a minha esposa. -Com quem?!?! -Com a minha esposa, meu sargento. -Isso é que era bom! Esposa hein?!? Mulher tenho eu, e sou sargento! Esposa é só para os senhores oficiais, ouviu seu bandalho?! Vai lá almoçar com a tua gaja, mas quero-te aqui meia hora antes de entrares de serviço. Há uma e meia. Entendido?! -Entendido, meu sargento. Dá licença que me retire? -À vontade.
Dizia o meu já falecido comandante de companhia que "na tropa, serviço é serviço, e conhaque é conhaque." Na política tomarense, pelo que se vê, é só conhaque. E palavreado de esplanada de praia.

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