domingo, 13 de novembro de 2016

Falemos então de turismo

Turismo, do francês tourisme, acto de faire un tour = dar uma volta. Em português actual, deslocar-se para ver algo. Enquanto actividade individual, ou mesmo familiar, é  muito mais antiga do que geralmente se pensa. O arqueólogo francês Lauer identificou nas ruínas da necrópole de Sakara, próxima do Cairo (Egipto), nos anos 60/70 do século passado, comentários de visitantes com mais de 45 séculos. Serão mesmo os mais antigos?

Vista parcial da Capela Sistina, com as célebres pinturas de Miguel Ângelo. Ao fundo, a figura central é Cristo ressuscitado. Se não pode ir ao Vaticano, nem se contenta com a TV, pode ir ao Convento de Cristo, em cuja Charola está uma réplica exacta do século XVI, na parede exterior virada para o coro manuelino.

Como indústria para criar  valor acrescentado e satisfazer as necessidades de quem viaja em lazer, o turismo é algo contemporâneo, Começou a expandir-se, transformando-se pouco a pouco em movimento de massas, a partir da concessão de férias pagas a todos os trabalhadores salariados, pelo governo da Frente popular, em França, em 1936. Antes, só as camadas mais privilegiadas, uma ínfima minoria, podiam dispôr de tempo livre e de dinheiro para viajar, ou para descansar à beira-mar e na montanha (desportos de Inverno).
Em Portugal, país de turistas trotamundos, (para usar um muito expressivo vocábulo espanhol moderno), a partir da empresa dos Descobrimentos do Infante D. Henrique, o turismo desenvolveu-se relativamente tarde, sobretudo com as peregrinações a Fátima em autocarro, a partir do fim da 2ª guerra mundial, em 1945. Paralelamente, dada a relativa proximidade e tendo em conta os custos elevados do transporte aéreo, assistiu-se a um incremento acentuado de turistas estrangeiros, sobretudo franceses e ingleses. Mas o turismo de multidões, tal como agora o começamos a conhecer aqui em Tomar, só se tornou possível com a acentuada redução de custos do transporte aéreo, a generalização do automóvel e das férias pagas, a abolição de vistos, a abertura das fronteiras e a grande melhoria das condições de vida.
Indústria de serviços do mundo contemporâneo, o turismo não traz só vantagens para os países e cidades receptoras como a nossa. Que o digam Veneza - Itália , Granada - Espanha, Guizé - Egipto, o Vaticano ou Guadalupe - México, forçadas a limitar entradas, tempos de visita ou mesmo dias de abertura.
Quando visitei Roma, fiz fila a partir das 6 da manhã, para ser dos primeiros a entrar no Museu do Vaticano. Já lá dentro, acelerei o passo, de forma a poder contemplar mais demoradamente a Capela Sistina (ver foto acima)  De nada me valeu. 15 minutos mais tarde, fui empurrado para a saída, de forma a permitir a entrada dos grupos seguintes.
Em Guadalupe (México), para acabar com o congestionamento frente ao altar principal, foi instalado um tapete rolante...

A Festa dos Tabuleiros, tal como são obrigados a vê-la muitos visitantes e residentes.

Além das filas para estacionar, para  adquirir ingressos, para visitar, para almoçar, para jantar, para os sanitários, para comprar água ou recordações, há o barulho, o lixo, a salganhada, as fotos onde fica sempre alguém indesejado (Ver foto). O turismo moderno não é portanto só vantagens, ou uma panaceia para o desenvolvimento económico, nem sequer algo de muito agradável para os residentes. Tinha razão aquele vendedor do mercado portuense do Bolhão, que estava a lavar o solo com uma mangueira. Veio uma estrangeira, passou o braço por cima dos ombros dele, enquanto uma amiga fotografava, e lá foi dizendo Very nice! Very nice uma porra, que me estão a atrapalhar no meu trabalho!, exclamou o homem.
Porque  o turismo é benéfico como gerador de riqueza, potenciador de amizade entre os povos e os turistas são os melhores promotores de um destino. Mas contentar-se com ter apenas muitos turistas, pouco ou nada contribui para expandir a economia local. O que deve interessar é aquilo que os visitantes cá gastam em alojamento, estacionamento, transporte, alimentação, bebidas, animação, recordações, presentes para a família e amigos,  entradas nos monumentos e em eventos...
Organizar e financiar eventos bastante onerosos mas com entrada livre, só para depois poder dizer que estiveram cá milhões de pessoas, e que por conseguinte se promoveu a cidade, não é sensato. Primeiro porque Tomar já não precisa de promoção turística, dada a manifesta incapacidade para receber com dignidade os que nos honram agora com a sua visita. Precisa é de mentalidade aberta à mudança, de ideias fecundas, de organização, de infraestruturas capazes e de qualidade. Depois porque esses milhões sujaram, incomodaram, estorvaram, mas nem sequer chegaram a pagar a sua estada. O que gastaram não chegou para cobrir os custos dos inconvenientes causados. O que, entre outros resultados menos agradáveis, vai obrigar posteriormente  os indígenas consumidores de água a suportarem custos escaldantes, para financiar os devaneios camarários e a evidente falta de arcaboiço político dos nossos eleitos. Finalmente porque, sem um plano local de turismo, não se pode saber  o que queremos ou para onde vamos nessa área, nem para que servem os bem pagos técnicos superiores camarários da especialidade, cujas atribuições e competências ninguém conhece ao certo fora dos Paços do Concelho. E mesmo aí...
Talvez a Exma Câmara possa vir a esclarecer os eleitores a tal respeito, quando acabar a já demasiado longa e insólita telenovela rosa-mãozinha. Oxalá!

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