domingo, 20 de novembro de 2016

Como Santo António pregando aos peixes

Peço antecipadamente perdão. Vou ser franco e directo. Dirijo-me a dois grupos de conterrâneos, um extremamente reduzido mas obstinado. Outro extremamente numeroso mas conformista, fatalista e por isso sossegado em excesso, na minha opinião.
O que desde há longos anos me incomoda em Tomar, não é tanto a evidente falta de oportunidades fora da função pública. É o escancarado declínio da cidade e do concelho, que aparentemente ninguém vê, ou não quer ver.
Permitam-me uma comparação entre duas cidades. Estou a escrever em Fortaleza, capital do Ceará, no nordeste brasileiro. Foi fundada em 13 de Abril de 1726, no século XVIII portanto. Já Tomar existia há 566 anos. Actualmente, Tomar tem 856 anos e cerca de 40 mil habitantes, que para o ano serão ainda menos, tendo em conta que na última década perdeu perto de 3 mil eleitores. Enquanto isso, Fortaleza completa 290 anos e caminha a passos largos para os 3 milhões de habitantes. Leu bem: três milhões de habitantes! Quais serão as causas desta diferença tão abissal?
No meu entender duas, representadas pelos dois grupos acima referidos. Os vesgos obstinados e os conformistas-fatalistas instalados. Começando por aqueles e escrevendo exactamente aquilo que penso, trata-se de meia dúzia de cidadãos, cuja principal qualidade não é  a inteligência, mas  que disso se não dão conta. Não por má vontade. Obviamente porque  a cabeça não dá para mais. É triste e cruel, custa escrevê-lo, mas é assim mesmo, creio eu, enquanto não me demonstrarem que estou enganado. 
Para essa pobre gente, tudo serve para tentar desacreditar quem procure, mesmo de forma desinteressada, alterar o nefasto rame-rame local. Uma vez que as respectivas bagagens intelectuais não permitem grandes voos, recorrem sempre aos mesmos argumentos, que são três. Acusam-me de procurar tacho, de ser demasiado agressivo e de nunca ter feito nada por Tomar, seja lá isso o que for.
A primeira acusação, a do tacho, é tão ridícula que nem resposta merece. Cheira a mofo. A segunda não passa afinal da velha habilidade, que consiste em procurar que olhem só para o dedo quando ele aponta para a Lua.



Já a terceira, a de que nunca fiz nada por Tomar, me parece mais justificada, uma vez que pode resultar da ignorância. Merece por isso resposta detalhada.
Realmente, pouco ou nada fiz por Tomar, em relação àquilo que gostaria e poderia ter feito, se me tivessem ajudado, ou pelo menos facilitado a vida. Ainda assim, peço licença para lembrar alguns aspectos mais relevantes. A - Assegurei gratuitamente, ao longo de décadas, centenas e centenas de visitas guiadas à cidade e ao Convento de Cristo, procurando sempre valorizar a minha amada terra; B - Solicitado pela então AD, perdi com muito prazer e sem qualquer remuneração algumas noites de sono, na elaboração do processo de candidatura que veio a culminar com a classificação do Convento de Cristo como Património da Humanidade; C - A pedido do então vereador da Cultura, redigi grátis um plano de gestão para o Convento de Cristo, que previa a transferência do monumento para o município e veio a ser aprovado em conselho de ministros; D - A pedido do respectivo vereador PSD, defendi em Santarém -sozinho perante todos os autarcas do distrito e sem auferir qualquer remuneração- a criação de uma comissão regional de turismo em Tomar. Venci e convenci. Infelizmente, após lhe ter também arranjado o nome, galifões incompetentes foram-lhe deitando sucessivamente a mão e a mesma já não existe sequer. Até a sede, entretanto paga pelos municípios da zona, pertence agora ao Turismo de Lisboa e está à venda. Fica ali ao fundo da Corredoura. E - A solicitação de um professor da casa, meu antigo aluno, sugeri a criação de um curso superior de turismo no Politécnico de Tomar e até especifiquei que devia ser na área do turismo cultural. Foi quanto bastou. Outros lhe deitaram logo a mão  e se agora aquilo não vai mal, também podia ser outra coisa. É a velha história. Regra geral, os filhos desenvolvem-se sempre melhor sob a égide dos pais biológicos.
É pouco o que acabo de explicitar? É sim senhor. Também eu estou insatisfeito e por isso continuo a escrever. Mas há tantos que, não procurando tachos, não sendo agressivos nem extremistas, e alardeando supostas boas maneiras, fizeram até agora muito menos. O que me leva  a citar partes do conhecido Sermão de Santo António aos peixes, dito em 13 de Junho de 1655, em S. Luís do Maranhão, pelo padre jesuíta António Vieira, que apesar de sacerdote teve problemas sérios com a Santa Inquisição. É sempre assim. Não convém destacar-se no rebanho.
"O efeito do sal é impedir a podridão, mas quando a terra se vê tão podre como está a nossa, havendo nela tantos que têm o ofício do sal, qual será, ou qual pode ser a causa dessa podridão? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar.
Não é tudo isto verdade? Ainda mal!
Isto suposto, quero hoje, imitando santo António, voltar-me da terra ao mar e, já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar está aqui tão perto, que bem me ouvirão. Os homens podem deixar este sermão, pois não é para eles."
Lido tudo isto, está à espera de quê para mudar de atitude, num mundo em constante mudança, colocando-se finalmente no lugar que lhe compete em função das suas capacidades reais?
Sem isso estará a contribuir deliberadamente para que esta nossa querida Tomar se afunde cada vez mais. Porque, peço perdão pela franqueza bruta, no estado actual das coisas, na sua grande maioria, incluindo respeitáveis autarcas, os tomarenses visivelmente, nem f...., nem saem de cima.
Essa é que é essa! E eu tinha de escrever tudo isto. Para poder ser lido pelos vindouros. Para memória futura, em linguagem mais cuidada.

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