domingo, 27 de março de 2016

Os novos censores (não confundir com sensores)

O estilo é o homem.
Blaise Pascal (1623/1662)

O tempo da outra senhora, pelo que se constata agora, terá deixada saudades a alguns. Não a mim. Pelo contrário. Adiante. Nesse tempo havia a censura prévia e oficial a todos os escritos e publicações. Era efectivamente exercida por coronéis das forças armadas. Apesar da execrável e a todos os títulos condenável tarefa que exerciam, esses militares tinham pelo menos um mérito. Davam a cara. Sabia-se quem eram, o que faziam e porque o faziam.
Mais de quarenta anos volvidos, eis-me de novo confrontado com a censura e com os censores. Desta feita encapotados. Falsos como Judas. Agindo só pela calada, ou acoitados em nomes supostos. Nojento, é o que penso.
Que pretendem afinal essas criaturinhas, dissimuladas e portanto hipócritas? Apenas e só que eu mude de estilo. Que deixe de ser tão agreste. Que em suma renegue a verdade e não exerça a liberdade de pensamento. Ou que, pelo menos, deixe de ser tão franco e objectivo. É claro que não o farei. Antes a morte que tal sorte.
Não por uma qualquer embirração. Apenas baseado numa série de factores que passo a enumerar:
1 - Esses tais censores encapotados, alguns com falinhas mansas e vocabulário aveludado, armam-se em umbigo do Mundo, detentores únicos da verdade e padrão das boas maneiras locais. Com que legitimidade? Quem os mandatou para tal?
2 - Continua por demonstrar que eu seja, como consta, demasiado agreste ou use fraseado menos próprio. Não será antes o facto de eu procurar dizer sempre a verdade nua e crua que incomoda essas almas penadas? É sabido que a verdade aleija quase sempre alguém.
3 - Mudar de estilo? Eu? Aos 70 passados? Não me façam rir. Porque não mudam antes eles? Porque ainda se não deram conta de que o Mundo mudou e continua a mudar todos os dias?
4 - Quem alguma vez emigrou, vivendo largos anos no estrangeiro, sabe bem que nunca mais voltou a ver o país nem a santa terrinha da mesma forma que os indígenas que sempre cá ficaram. Já em séculos anteriores outros estrangeirados causaram escândalo. Por exemplo Eça de Queiroz no século XIX. Ou Francisco Sá de Miranda, em meados do século XVI. É dele esta quintilha célebre, que deixou numa mesa do Paço Real, quando partiu para o exílio voluntário no Minho:
Homem de um só parecer
De um só rosto de uma só fé
De antes quebrar que torcer
Muita coisa pode ser
Homem da corte não é
5 - Numa prosa lamentável publicada no blogue Tomar na rede, cujas qualidades me parece que se vão infelizmente erosinando com o tempo, escreve-se, numa linguagem desadequada porque sem maneiras, esta pérola: "o velho homem... ...não gosta de ser enxovalhado".
O velho homem visado sou eu. Julgo por isso oportuno perguntar: Além dos masoquistas, alguém gosta de ser enxovalhado? 
Conclusão: Deixem-se de merdas e tratem mas é de se adaptar aos tempos que correm. Sob pena de virem a penar num futuro cada vez mais sombrio. Porque o importante, mesmo importante, é aquilo que eu denuncio. Não eu nem o meu estilo de escrita.
Estou enganado? Talvez. Mas nunca esqueço o velho adágio segundo o qual "Não há pior cego que aquele que não quer ver."

Adenda:

Sei bem que os tomarenses são em geral bastante mais inteligentes do que eu. Não terão portanto qualquer dificuldade para interpretar com correcção a citação de Pascal que encima este escrito. Há porém os outros conterrâneos. Aqueles que são apenas tão inteligentes como eu. Esta adenda é para eles. "O estilo é o homem" pode e deve ser interpretado, na óptica pascaliana, como "Mostra-me como falas ou escreves, dir-te-ei quem és realmente e como ages."

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