quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Naufrágio de uma comissão regional de turismo

Ponto prévio

Peço licença para relembrar aos leitores o principal motivo porque escrevo -para tentar despejar e assim limpar parcialmente  a cabeça. Na triste série de episódios  que vem a seguir, decidi omitir os nomes dos actores. Uns já estão sepultados, outros procuraram terras mais acolhedoras, outros ainda continuam a sua labuta, espero que com mais qualidade e melhores resultados. De qualquer maneira, seria inútil citá-los nominalmente, sabido como é que nesta terra e neste país nunca ninguém erra e portanto também ninguém se arrepende. Somos assim, que se há-de fazer?

No início da década de oitenta, era eu deputado municipal na bancada do PS, veio o então vereador com o pelouro do turismo, que era também bancário e delegado sindical, pedir-me ajuda. Disse-me, visivelmente temeroso, que ia haver uma reunião em Santarém de todos os autarcas do distrito com o pelouro do turismo, para discutir a criação de uma comissão regional de turismo. Acrescentou que não se achava minimamente preparado e por isso me pedia a minha ajuda técnica.
Após ter trocado ideias sobre a matéria com o então responsável local da actual CDU, que me garantiu a neutralidade dos autarcas daquela formação política, resolvi aceitar. Dias mais tarde, lá fomos os dois, o referido vereador e eu, no velho Mercedes da autarquia. Levava comigo alguma documentação técnica, que entretanto reunira e relera, habituado que estava e estou a fazer sempre em tempo útil o trabalho de casa.
Feitas as apresentações, começou a reunião no salão nobre da Câmara de Santarém, com os autarcas do PS sem perceberem muito bem qual era ali o meu papel. Explicações dadas e aceites, o vereador que me convidara alegou que tinha aulas na Faculdade de Direito, em Lisboa, despediu-se e deixou-me sozinho.
Durante cerca de três horas fiz o possível para demonstrar aos intervenientes que das autarquias presentes a de Tomar era a única com recursos turísticos indiscutíveis e a comissão de turismo mais antiga da região centro, de 1936 (foto 1)
.

Mostrei a seguir, de forma comparativa, aquilo que referiam os grandes guias de turismo sobre a região do Ribatejo. Terminei indicando a posição da nossa Câmara : Só integrar uma comissão regional de turismo com sede em Tomar e que não se chamasse do Ribatejo, com o qual nada temos a ver geograficamente.
Algum tempo depois, estava eu lendo o jornal no café Pepe, ali na Praça da República,  quando um ex-presidente e então vereador me  disse que estavam um pouco atrapalhados para encontrar um nome para a nova comissão regional de turismo que ia ser criada, e indagou se eu tinha alguma ideia. Escrevi-lhe num guardanapo de papel três hipóteses: A - Comissão Regional de Turismo dos Templários; B -Comissão Regional de Turismo da Floresta Central; C - Comissão Regional de Turismo das Albufeiras. Acrescentei que a primeira é mais histórica, a segunda mais ecológica e a terceira mais desportiva.
Li depois que os nossos ilustres e brilhantes autarcas tinham resolvido adoptar as três designações em bloco. Ficou assim a nova entidade com um nome bem pomposo e pretensioso, que manteve até ser extinta por manifesta inutilidade: Comissão Regional de Turismo dos Templários, Floresta Central e Albufeiras. Rir ainda é o melhor remédio e foi o que fiz na altura. Agora já tenho mais vontade de chorar. Deve ser da idade...
Seguiu-se o que já é do domínio púbico, pelo menos parcialmente. Instalada no edifício do turismo municipal (foto 2), o mesmo onde antes funcionara a Comissão de Iniciativa e Turismo mais antiga da região centro,

a novel entidade de turismo era presidida pelo vereador da cultura da Câmara de Tomar, da AD, e tinha dois funcionários municipais destacados.
Vieram então os anos de vacas gordas, durante os quais os sucessivos presidentes governaram a vidinha com pouco esforço, sendo que todos tinham um ponto em comum: nenhum sabia muito bem o que fazer com os poderes e as verbas disponíveis.
A fartura era tanta que o primeiro presidente, o já mencionado vereador da AD, resolveu arranjar uma sede para alojar dignamente o órgão regional a que presidia. Comprou a ex-sede da agência local do Banco de Portugal, ao fundo da Corredoura (foto 3) por 49 mil contos = 245 mil euros, pagos em função da respectiva importância populacional pelas 9 autarquias que integravam a citada comissão.


Após anos e anos sem obra que se visse, resolveu o governo acabar com o regabofe das verdadeiras vacas leiteiras que eram as comissões regionais de turismo. Só aqui na região havia três, uma em Leiria, outra em Tomar, outra em Santarém, sendo certo que Leiria e Santarém não são propriamente grandes cidades turísticas...
Reduzidas pelo governo a cinco, uma em cada região plano (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve), a usual mania tomarense das grandezas levou a integrar a nossa região de turismo no Turismo de Lisboa e Vale do Tejo, que herdou todos os bens das extintas comissões, entre os quais a sede tomarense ao fundo da Corredoura, paga pelas câmaras da zona, com destaque para a de Tomar.
Só mais tarde as sumidades que fingem que nos governam se deram conta de um pequeno detalhe importante. Por ser a zona mais desenvolvida do país, em termos de PIB per capita, a região de Lisboa e Vale do Tejo só tem direito a 50% de participação comunitária nas várias empreitadas, enquanto que a zona Centro recebe 75 ou 80% consoante a natureza do empreendimento. Foi quanto bastou para Tomar integrar o Turismo do Centro, com sede em Aveiro, enquanto que Santarém optou pelo Turismo do Alentejo, sediado em Évora. Mas o património, esse ficou no Turismo de Lisboa, que agora o quer vender ou arrendar (foto 4).


 E a nossa Câmara cala-se muito bem calada, porque não quer meter-se em alhadas.
Mais comentários para quê?

anfrarebelo@gmail.com

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